O parágrafo único do artigo 01º da Constituição Federal estabelece que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
A compreensão da norma é clara e acolhe a base da democracia: “o poder emana do povo”.
Não obstante, a regra de nossa Carta Magna fixa que o povo exercerá o poder por meio da representatividade por ele eleita.
O representante do povo, assim, exerce um mandato temporário, com prazo determinado, pois sua atuação decorre de uma relação da confiança popular, que lhe confere o direito de, por certo período, expressar a vontade daqueles que o elegeram.
Essa periodicidade, aliás, é indispensável para que a vontade popular se mostre legítima, pois da mesma maneira que a população atravessa por modificações no transcorrer do tempo, sua representatividade também não poderá permanecer estática.
Todavia, o representante tem a possibilidade de novamente colocar seu nome à disposição do povo, por meio da reeleição.
A Constituição Federal, no parágrafo 05º de seu artigo 14 (conforme a Emenda nº 16, de 1997), delimita uma única reeleição para Presidente da República, Governadores de Estado e do Distrito Federal, bem como para os Prefeitos. E isso tem razão de ser, haja vista que a representação em cargo executivo confere maior poder ao mandatário, sendo que suas resoluções afetam bem mais intensamente a população que governa.
Não obstante, discute-se, nos dias de hoje, a viabilidade da reeleição indefinida dos mandatários do Poder Executivo, a exemplo do que ocorre na vizinha Venezuela.
Primeiramente, em se tratando de “Democracia”, constata-se que o referido país, por diversos fatores, não pode nos servir de exemplo. São, aliás, realidades distintas. Brasil e Venezuela só têm em comum o fato de encontrarem-se situados na América do Sul, e mais nada.
A instituição da reeleição indefinida, por sinal, proporciona um continuísmo mórbido no poder, configura um flagrante desrespeito à verdadeira vontade popular e fere mortalmente a Democracia.
Isso, porque, possibilita que se estabeleça o poder ditatorial “travestido de democracia”, em que o povo, de forma forçada ou induzida, abre mão da possibilidade da alternância no poder.
E a alternância é pressuposto básico da Democracia, é medida indubitavelmente necessária para a manutenção da mais lídima vontade do povo, haja vista que alça ao mandato outras pessoas da população, com novos pensamentos, com idéias atualizadas e, principalmente, com impressões mais nítidas das aspirações populares. Alternar a administração é “oxigenar” o governo.
Portanto, nossa Constituição Federal acerta ao impedir mais do que uma reeleição para os cargos do Poder Executivo, sendo que, além do mais, dois mandatos, é tempo mais do que suficiente para o governante implementar e concluir os objetivos a que se propôs.
Em âmbito mais “doméstico”, entretanto, temos que as normas que regem as eleições da Ordem dos Advogados do Brasil admitem a possibilidade da seqüência indefinida de mandatos; no que, o atual Presidente da Seccional Paulista já ventilou a sua candidatura à segunda reeleição (fonte: Conjur, 12 de fevereiro de 2009).
A “moda do terceiro mandato”, por sinal, vem se difundido nas Seccionais e Subsecções da O.A.B., a exemplo do que ocorre nas Secçôes de São Paulo e do Distrito Federal.
Deveras, não há norma que impeça os atuais mandatários de concorrerem a uma nova reeleição, nem mesmo de se perpetuarem na administração da entidade, se assim quiserem e as urnas não manifestarem-se contrárias. E a regra de que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (inciso II do artigo 05º da Constituição Federal) confere legalidade a tal pretensão.
Não obstante, questiona-se a moralidade e, principalmente, a necessidade do terceiro mandato.
Primeiramente, como já dissemos, a reeleição pela segunda vez ou de forma indefinida, afronta a Democracia e impossibilita a renovação de idéias e posicionamentos.
No mais, a permanência prolongada ou indefinida no poder afasta o mandatário, progressivamente, da base que o elegeu, tornando-o cada vez mais alheio à realidade atual e das verdadeiras aspirações da população.
O historiador John E. E. Dalberg Acton, mencionou, certa vez, que “o poder corrompe e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Trata-se de uma verdade constatada pelas lições da História.
O exercício do poder democrático deve ter em vista que àquele que governa não é governante, mas está governante, enquanto àqueles que o elevaram a essa condição assim desejarem. Essa, relembramos, é a premissa máxima do parágrafo único do artigo 01º de nossa Lei Maior. E amarrar-se ao mandato é desrespeitar esse princípio.
A imoralidade, aliás, nasce quando o governante passa a idealizar que é maior ou mais importante do que àqueles a quem governa e de julgar-se insubstituível ao bem-estar de seu povo ou à manutenção do Estado, confundindo-se com este; a exemplo do “Rei Sol”, Luiz XIV, que afirmava "L'État c'est moi" (O Estado sou eu).
Por outro lado, o instituto do terceiro mandato ou da reeleição indefinida não mais se sustenta nos dias atuais. O último tríplice mandato seguido que ocorreu na Seccional de São Paulo da O.A.B. se deu no período de 1971 até 1976, quando o período era bienal, e tivemos a presidência do Dr. Cid Vieira de Souza. Antes dele, o Dr. Noé Azevedo permaneceu por 26 anos a frente da Seccional Paulista (de 1939 até 1965), e o Dr. José Manoel de Azevedo Marques assumiu por três mandatos seguidos (de 1933 a 1939).
Mas eram outros tempos, em que até podia-se compreender as consecutivas reeleições, considerando que o quadro de registrados na Ordem dos Advogados do Brasil nem de longe se aproximava da quantidade atual de mais de 250.000 inscritos. Portanto, não há como tecer comparações. E, nem mesmo poderia-se alegar “falta de opções” ao nos depararmos com um universo tão grande de possibilidades.
Diante do exposto, acreditamos que cai por terra qualquer sustentáculo à tese do mandato tríplice ou indefinido.
A Democracia não admite transigências e sua existência é condição essencial à Liberdade; sendo, ambos, os alicerces do moderno Estado Democrático de Direito.
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